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Informativo Criminal STF

​Informativo 695 -  10 de março de 2013

 

 

 

 

 

Réu preso e comparecimento a audiência

 

 

O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal. Ao reafirmar esse entendimento, a 2ª Turma concedeu habeas corpus para restabelecer decisão do tribunal de justiça paulista, que declarara a nulidade do processo desde a audiência de oitiva da vítima e das testemunhas de acusação. Na situação dos autos, conquanto tivesse sido requisitado pelo juiz, os pacientes, acautelados em comarca diversa, não foram apresentados à referida audiência, sobrevindo condenação. No STJ, houvera a reforma da decisão que acolhera a nulidade — suscitada em apelação —, assim como a alusão de que o defensor teria aquiescido em continuar a audiência, mesmo sem a presença dos réus. No julgamento deste writ, prevaleceu o voto da Min. Cármen Lúcia, que pontuou a existência de nulidade absoluta e de direito constitucional à apresentação. Assinalou, ainda, que o direito de presença seria personalíssimo.

O Min. Celso de Mello salientou que o Estado teria o dever de assegurar a réu preso o exercício pleno do direito de defesa. Complementou que, no contexto desta prerrogativa, estaria o direito de presença de acusado. Sopesou que razões de mera conveniência administrativa não teriam precedência sobre o cumprimento e o respeito ao que determinaria a Constituição. Mencionou o art. 14, 3, d, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o art. 8º, 2, d e f, da Convenção Americana de Direitos Humanos, a conter garantias processuais básicas de qualquer pessoa que sofra persecução penal em juízo. Aludiu a posicionamento da Corte segundo o qual a possibilidade de o próprio acusado intervir, direta e pessoalmente, na realização de atos processuais, constituiria autodefesa. Obtemperou que o Estado deveria facilitar o exercício de o imputado ser ouvido e falar durante os atos processuais, bem assim o de assistir à realização deles, máxime quando se encontrasse preso, sem a faculdade de livremente deslocar-se ao fórum. Alguns precedentes citados: HC 86634/RJ (DJU de 23.2.2007); HC 95106/RJ (DJe de 11.2.2011).

 

(HC 111728/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 19.2.2013).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Informativo 696 - 13 de março de 2013

 

 

 

 

 

Produção antecipada de provas e fundamentação

 

 

 

Ante o empate na votação, a 1ª Turma deferiu habeas corpus, de ofício, para reconhecer a nulidade da prova produzida antecipadamente e determinar seu desentranhamento. De início, julgou-se extinta a impetração, porquanto manejada de acórdão de recurso ordinário em habeas corpus, julgado pelo STJ, em substituição ao recurso cabível, que, no caso, seria o extraordinário. O Min. Dias Toffoli, relator, concedeu a ordem de ofício, no que foi acompanhado pela Min. Rosa Weber. Consignou que o eventual esquecimento dos fatos pelas testemunhas, em razão da passagem do tempo, não seria fundamento idôneo para antecipar a oitiva delas. Além disso, avaliou que o magistrado teria considerado o fato de as testemunhas serem policiais militares, o que não corresponderia à realidade. Em divergência, os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux não concediam a ordem de ofício. Aquele ressaltava que o juiz poderia proceder à colheita antecipada de provas para evitar o esquecimento dos fatos, em virtude da passagem do tempo. Este afirmava que o perigo da demora seria para a formação da prova do processo e não para a liberdade de ir e vir.

 

(HC 114519/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 26.2.2013)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Informativo 697 - 20 de março de 2013

 

 

 

 

 

 

Crimes contra os costumes: vítima pobre e legitimidade

Em conclusão, o Plenário, por maioria, denegou habeas corpus impetrado — em favor de condenados a regime integralmente fechado pela prática de estupro (CP, art. 213, c/c os artigos 29 e 71) — com base em suposto vício de representação. Na espécie, discutia-se: a) a ilegitimidade ativa do Ministério Público, dado que a pretensa vítima não ostentaria a condição de pobre, razão pela qual a ação deveria ser de iniciativa privada; e b) inconstitucionalidade da antiga redação do art. 225, § 1º, I, e § 2º, do CP (“Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa. § 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública: I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família ... § 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação”), visto que a legitimidade para agir em nome de vítimas pobres seria da Defensoria Pública — v. Informativos 506 e 537. Inicialmente, registrou-se que a impetração discutiria questões concernentes ao mérito da causa, cujo deslinde dependeria do exame acurado do conjunto probatório, inexequível nos limites do writ. Destacou-se que a particularidade de a vítima ter constituído advogado não elidiria a sua alegada pobreza, porquanto existiriam advogados a atuar pro bono. Obtemperou-se que a ausência de recursos financeiros seria prova de fato negativo, difícil de comprovar. Citou-se jurisprudência da Corte no sentido de que nos crimes contra os costumes, caracterizada a pobreza da vítima, a ação penal passaria a ser pública condicionada à representação, tendo o Ministério Público legitimidade para oferecer a denúncia (CP, art. 225, § 1º). O fato de a vítima ter à sua disposição a Defensoria Pública estruturada e aparelhada não afastaria a titularidade do parquet. Precedente citado: RHC 88143/RJ (DJe de 8.6.2007).

Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia, de ofício, a ordem. Aduzia a ilegitimidade do Ministério Público para a propositura da ação, a configurar constrangimento ilegal a alcançar a liberdade de ir e vir dos pacientes. Pontuava ser diverso o que retratado no Código Penal daquilo previsto no art. 4º da Lei 1.060/50 (“A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”). Acrescentava ser conflitante a situação em que a vítima se declarara pobre e constituíra advogado, somado à circunstância de não ter provado seu estado de insuficiência.
(HC 92932/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, 7.3.2013.)

 

 

Cabimento de Habeas Corpus e Busca e Apreensão

 

 

 

 

A 2ª Turma concedeu habeas corpus para determinar que Ministro do STJ aprecie writ lá impetrado e julgue como entender de direito. No caso, juízo criminal deferira medida cautelar de busca e apreensão, a pedido do parquet, para que este obtivesse elementos materiais e de convicção referentes à suposta prática dos crimes previstos nos artigos 203 e 337-A, do CP, e artigos 1º, I, a IV, e 2º, I e II, da Lei 8.137/90. Os delitos diriam respeito ao pagamento de comissões indevidas a empregados de pessoas jurídicas, sem o recolhimento de contribuições previdenciárias. A defesa, então, impetrara habeas corpus no TRF para anular a referida medida cautelar. Alega-se falta de justa causa em face da ausência de constituição definitiva do crédito tributário. Sustenta-se, ainda, violação ao princípio do juiz natural em razão de prevenção, uma vez que juiz de outra vara criminal já teria apreciado suposta sonegação fiscal previdenciária perpetrada nos autos de processo trabalhista ajuizado em desfavor de empresa da qual o paciente seria sócio. A ordem fora concedida parcialmente, apenas para que fossem devolvidos, ao paciente, os documentos não compreendidos durante o período de investigação. Na sequência, impetrara-se habeas corpus no STJ, liminarmente indeferido pelo relator por falta de risco à liberdade de locomoção do paciente.

Preliminarmente, por maioria, conheceu-se da impetração, vencido o Min. Teori Zavascki não dela não conhecia. Advertia que a utilização de habeas corpus em cascata e como sucedâneo de recurso ordinário substituiria de modo universal as vias ordinárias, bem como tornaria letra morta a possibilidade de recurso previsto constitucionalmente. No mérito, prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes, relator. Consignou que o Plenário da Corte reiteradamente assentara que o aludido remédio teria como escopo a proteção da liberdade de locomoção e seu cabimento disporia de parâmetros constitucionalmente estabelecidos, a justificar-se a impetração sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer, violência ou coação em sua liberdade de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder. Seria inadequado o writ quando utilizado com a finalidade de proteger outros direitos. Afastou a assertiva de que habeas corpus seria o meio próprio para tutelar tão somente o direito de ir e vir do cidadão em face de violência, coação ilegal ou abuso de poder. Rememorou que o habeas corpus configuraria proteção especial tradicionalmente oferecida no sistema constitucional brasileiro.

Entendeu cabível o writ quando se discutir, efetivamente, aquilo que a dogmática constitucional e penal alemã denominaria Justizgrundrechte. Explicou que essa expressão seria utilizada para se referir a elenco de normas constantes da Constituição que teria por escopo proteger o indivíduo no contexto do processo judicial. Reconheceu não ter dúvidas de que o termo seria imperfeito, uma vez que, amiúde, esses direitos transcenderiam a esfera propriamente judicial. Assim, à falta de outra denominação genérica, também optou por adotar designação assemelhada — direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais do processo —, embora consciente de que se cuidaria de denominações que pecariam por imprecisão. Não olvidou as legítimas razões que alimentariam a preocupação com o alargamento das hipóteses de cabimento do habeas corpus e, com efeito, as distorções que dele decorreriam. Contudo, observou que seria mais lesivo, ante os fatos históricos, restringir seu espectro de tutela. Ressaltou que, no presente caso, a liberdade de ir, vir e permanecer do paciente não se encontraria ameaçada, ainda que de modo reflexo. Afinal, a impetração se dirigiria contra ato de ministro do STJ que não conhecera de habeas corpus impetrado naquela Corte. A questão subjacente, porém, seria a validade do ato consubstanciado na concessão de medida de busca e apreensão, deferida pelo juízo. Afirmou que, segundo os impetrantes, a medida padeceria de ilegitimidade, em síntese, por falta de justa causa e por violação do princípio do juiz natural. Na perspectiva dos direitos fundamentais de caráter judicial e de garantias do processo, reputou cabível a utilização do writ no caso em apreço, porquanto, efetivamente, encontrar-se-ia o paciente sujeito a ato constritivo, real e concreto, do poder estatal.

O Min. Celso de Mello acresceu que a decisão emanada do STJ cominaria por frustrar a aplicabilidade e a própria eficácia de um dos remédios constitucionais mais caros à preservação do regime de tutela e amparo das liberdades. Aludiu que estaria preocupado com a abordagem tão limitativa das virtualidades jurídicas de que se acharia impregnado o remédio constitucional do habeas corpus, especialmente se se considerar o tratamento que o STF dispensaria ao writ. O Min. Ricardo Lewandowski acrescentou que, além das questões constitucionais suscitadas — a falta de justa causa para a cautelar e a incompetência do juízo que determinara a medida com violação do juiz natural —, haveria um terceiro tema que seria a ofensa ao princípio do colegiado, já que o relator no STJ julgara o mérito da referida ação mandamental monocraticamente. Vislumbrou haver reflexo quase que imediato no direito de ir e vir do paciente.

(HC 112851/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 5.3.2013)

 

Informativo 698 - 15 de março de  2013

Art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 e fundamentação

A 2ª Turma concedeu habeas corpus para determinar a magistrado que reduzisse a pena imposta ao paciente, considerada a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 no patamar máximo de 2/3. Ademais, ordenou que fixasse o regime inicial de cumprimento da reprimenda de maneira fundamentada, com o afastamento da regra do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 (na redação conferida pela Lei 11.464/2007), obrigatoriedade declarada inconstitucional pelo STF. Na espécie, o tribunal de justiça local, ao dar parcial provimento a recurso da acusação, condenara o paciente pela prática do delito de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33). Explicitou-se que a Corte estadual definira a pena-base no mínimo legal. Obtemperou-se que aquele tribunal não agira bem ao estabelecer, em seguida, a minorante em 1/6 sem oferecer a devida justificação. Por fim, salientou-se que o réu apresentaria bons antecedentes, não faria parte de grupo criminoso, enfim, ostentaria todos os requisitos para que a benesse fosse conferida em grau máximo. Precedente citado: HC 111840/ES (acórdão pendente de publicação, v. Informativos 670 e 672).

(HC 114830/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12.3.2013.)

 

Informativo 699 - 29 de março de  2013

Latrocínio contra casal: concurso formal ou crime único

 


A 2ª Turma iniciou análise de habeas corpus em que pleiteado o reconhecimento da prática de crime único pelo paciente, com a reforma do julgado que adotara a regra do concurso formal, com o consequente aumento de 1/6 na dosimetria da pena. Na espécie, alega-se que o paciente teria praticado o delito em detrimento de patrimônio comum, indivisível do casal. Assim, insurgia-se de condenação por 2 latrocínios — 1 tentado e outro consumado — em concurso formal. O Min. Gilmar Mendes, relator, concedeu, em parte, a ordem, para reconhecer a prática de crime único de latrocínio. Destacou que, ainda que se aceitasse a tese de patrimônio diferenciado das vítimas, em função das alianças matrimoniais subtraídas, o agente teria perpetrado um único latrocínio. Pontuou que o reconhecimento de crime único não significaria o integral acolhimento do pedido. Frisou que afastar-se o aumento de 1/6 da pena, relativo ao concurso de crimes, poderia levar à injustificável desconsideração do número de vítimas atingidas. Determinou, por fim, a baixa dos autos para nova dosimetria, respeitado o limite do ne reformatio in pejus. Após, pediu vista dos autos o Min. Teori Zavascki. (HC 109539/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.3.2013)

 

 

 

 

Porte ilegal de arma e ausência de munição

Em conclusão, a 2ª Turma denegou habeas corpus no qual denunciado pela suposta prática do crime de porte ilegal de arma de fogo desmuniciada pleiteava a nulidade de sentença condenatória — v. Informativo 549. Asseverou-se que o tipo penal do art. 14 da Lei 10.826/2003 (“Art. 14 Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”) contemplaria crime de mera conduta, sendo suficiente a ação de portar ilegalmente a arma de fogo, ainda que desmuniciada. Destacou-se que, à época, a jurisprudência oscilaria quanto à tipicidade do fato, questão hoje superada. O Min. Teori Zavascki participou da votação por suceder ao Min. Cezar Peluso, que pedira vista dos autos.
(HC 95073/MS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 19.3.2013.)

 

 

 

 

 

 

Súmula Vinculante 9 e lei mais benéfica ao condenado

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a aplicação da Súmula Vinculante 9 [“O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”] a decisão que, a despeito do cometimento de falta grave pelo condenado, reputara impossível a exclusão dos dias trabalhados para fins de remição da pena, em face dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da proteção do direito adquirido, da individualização da pena e da dignidade do trabalhador. O Min. Luiz Fux, relator, proveu parcialmente o recurso. Reputou que a Súmula Vinculante 9 teria por base determinação legal no sentido de que, praticada falta grave, seriam excluídos os dias remidos, com consequente interrupção do lapso temporal necessário à progressão de regime. Ocorre que, no curso da tramitação do extraordinário, adviera a Lei 12.433/2011, que conferira nova redação ao art. 127 da Lei de Execução Penal - LEP [“Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar”]. Salientou que a novel redação seria mais benéfica ao condenado e que a lei, portanto, deveria retroagir, nos termos do Enunciado 611 da Súmula do STF (“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”). Ademais, considerou que a Súmula Vinculante 9 deveria ser cancelada, com fulcro no art. 5º da Lei 11.417/2006 (“Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso”). Por fim, determinou fossem baixados os autos à origem, para que o juízo da execução decidisse de acordo com a novatio legis in melius (LEP, art. 66, I). Em seguida, a Min. Cármen Lúcia indagou sobre a possibilidade de a pena já ter sido cumprida, a implicar a perda de objeto do extraordinário. Assim, necessária a substituição por outro recurso representativo da controvérsia. O relator reafirmou o voto, haja vista a repercussão geral reconhecida na matéria. Ademais, registrou que, na objetivação do recurso extraordinário, impor-se-ia a fixação da tese. Após, o julgamento foi suspenso.
(RE 638239/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.3.2013.)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Informativo 700 - 01 de abril de  2013

Reincidência e recepção pela Constituição Federal

É constitucional a aplicação da reincidência como agravante da pena em processos criminais (CP, art. 61, I). Essa a conclusão do Plenário ao desprover recurso extraordinário em que alegado que o instituto configuraria bis in idem, bem como ofenderia os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. Registrou-se que as repercussões legais da reincidência seriam múltiplas, não restritas ao agravamento da pena. Nesse sentido, ela obstaculizaria: a) cumprimento de pena nos regimes semiaberto e aberto (CP, art. 33, § 2º, b e c); b) substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou multa (CP, artigos 44, II; e 60, § 2º); c) sursis (CP, art. 77, I); d) diminuição de pena, reabilitação e prestação de fiança; e e) transação e sursis processual em juizados especiais (Lei 9.099/95, artigos 76, § 2º, I e 89). Além disso, a recidiva seria levada em conta para: a) deslinde do concurso de agravantes e atenuantes (CP, art. 67); b) efeito de lapso temporal quanto ao livramento condicional (CP, art. 83, I e II); c) interrupção da prescrição (CP, art. 117, VI); e d) revogação de sursis e livramento condicional, a impossibilitar, em alguns casos, a diminuição da pena, a reabilitação e a prestação de fiança (CP, artigos 155, § 2º; 170; 171, § 1º; 95; e CPP, art. 323, III). Consignou-se que a reincidência não contrariaria a individualização da pena. Ao contrário, levar-se-ia em conta, justamente, o perfil do condenado, ao distingui-lo daqueles que cometessem a primeira infração penal. Nesse sentido, lembrou-se que a Lei 11.343/2006 preceituaria como causa de diminuição de pena o fato de o agente ser primário e detentor de bons antecedentes (art. 33, § 4º). Do mesmo modo, a recidiva seria considerada no cômputo do requisito objetivo para progressão de regime dos condenados por crime hediondo. Nesse aspecto, a lei exigiria o implemento de 2/5 da reprimenda, se primário o agente; e 3/5, se reincidente. O instituto impediria, também, o livramento condicional aos condenados por crime hediondo, tortura e tráfico ilícito de entorpecentes (CP, art. 83, V). Figuraria, ainda, como agravante da contravenção penal prevista no art. 25 do Decreto-Lei 3.688/41. Influiria na revogação do sursis processual e do livramento condicional, assim como na reabilitação (CP, artigos 81, I e § 1º; 86; 87 e 95).

Considerou-se que a reincidência comporia consagrado sistema de política criminal de combate à delinquência e que eventual inconstitucionalidade do instituto alcançaria todas as normas acima declinadas. Asseverou-se que sua aplicação não significaria duplicidade, porquanto não alcançaria delito pretérito, mas novo ilícito, que ocorrera sem que ultrapassado o interregno do art. 64 do CP. Asseverou-se que o julgador deveria ter parâmetros para estabelecer a pena adequada ao caso concreto. Nesse contexto, a reincidência significaria o cometimento de novo fato antijurídico, além do anterior. Reputou-se razoável o fator de discriminação, considerado o perfil do réu, merecedor de maior repreensão porque voltara a delinquir a despeito da condenação havida, que deveria ter sido tomada como advertência no que tange à necessidade de adoção de postura própria ao homem médio. Explicou-se que os tipos penais preveriam limites mínimo e máximo de apenação, somente alijados se verificada causa de diminuição ou de aumento da reprimenda. A definição da pena adequada levaria em conta particularidades da situação, inclusive se o agente voltara a claudicar. Estaria respaldado, então, o instituto constitucional da individualização da pena, na medida em que se evitaria colocar o reincidente e o agente episódico no mesmo patamar. Frisou-se que a jurisprudência da Corte filiar-se-ia, predominantemente, à corrente doutrinária segundo a qual o instituto encontraria fundamento constitucional, porquanto atenderia ao princípio da individualização da pena. Assinalou-se que não se poderia, a partir da exacerbação do garantismo penal, desmantelar o sistema no ponto consagrador da cabível distinção, ao se tratar os desiguais de forma igual. A regência da matéria, harmônica com a Constituição, denotaria razoável política normativa criminal.

O Min. Luiz Fux acresceu não se poder saber o motivo de o agente ter voltado a delinquir depois de punido — se isso decorreria de eventual falibilidade do sistema carcerário, da personalidade do indivíduo ou de outros fatores. Diferenciou reincidência de reiteração criminosa e sublinhou que nesta dar-se-ia ao acusado o denominado período de probation, para que refletisse sobre sua atitude e não voltasse a cometer o delito. O Min. Gilmar Mendes aludiu a índices que indicariam que a reincidência decorreria da falência do modelo prisional, que não disporia de condições adequadas para a ressocialização. Colacionou medidas positivas para reverter o quadro, como formação profissional e educacional de condenados e indicou a importância do debate crítico acerca do modelo punitivo existente. Por fim, determinou-se aplicar, ao caso, o regime da repercussão geral reconhecida nos autos do RE 591563/RS (DJe de 24.10.2008). Além disso, por maioria, permitiu-se que os Ministros decidam monocraticamente casos idênticos. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, relator.

(RE 453000/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 4.4.2013).

 

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